segunda-feira, dezembro 23, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas

Nº 60


para poemas complexos


;há um eterno amor
nas entrelinhas da voz;


tópicos:

quando a voz se acende
no silêncio do corpo
é posse que se estende
de mim a outro outro

no corpo  abrasada 
pela voz acidulada 
mostro-me para ser 
o que antes não era nada

sou a voz que me oiço
no sentir actualizado
sou ainda um escorço
do que havia pensado

ainda a voz não é finda 
cresce uma fenda rasgada
pela saudade que é vinda
nos crepes da palavra amada



quinta-feira, dezembro 12, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 59

para poemas complexos


;quanto viver em vão
nos andaimes da luz pendurado;

Nota:

eis um poema que não deve ser escrito;
vão, tanto pode ser do verbo ir,
uma viga ou actuar sem resultados

o poeta não pode solicitar
a ambiguidade do verbo

viver em vão pode ainda resultar
em viver-em-vão-de-escada 

necessário será
que o poeta
retire a escrita ao poema

12.12.13



sexta-feira, dezembro 06, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 58

para poemas complexos


;as palavras têm o corpo desesperado

se na ambiguidade das cavernas flutuam;

Nota:

gere-se por uma aliança
entre o escaparate  de um  vazio
e o olhar para o silêncio

do sujeito poético

haverá circunstâncias quiméricas
fracturas galopantes
benesses às palavras

adjectivos circunstanciais de modo
adverso

e totens 

o poema
deverá ser um 
um exemplo



quarta-feira, dezembro 04, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas




Nº 57


 para poemas complexos


;os poetas cristalizados
não engravidam os nomes;


Nota:

deve ser escrito
com muita ponderação
qualquer  pode sentir susceptibilidades

deve-se começar por
libertar o tempo
dos cristais da memória

semântica narrativa com rabo-de-cavalo 
é para deitar fora

a verdade do poema deve
estar em transição

- entre o significado imaterial
e a matéria do pensamento

todos os versos
devem pairar sobre uma angústia
do verbo amar 


segunda-feira, dezembro 02, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas


 Nº 56


para poemas simples

;a poesia é para todos
não é tertúlia com saltos altos;

Nota:

 o poeta

 ao escrever este poema
 não deve rir
 mesmo que o Sol lhe faça cócegas

concentra-se nas palavras alagadas
de suor

 inventa canções para as crianças dormirem

 suprime os alfabetos arcaicos

a linguagem animar-se-á  
dando corda ao texto

a nitidez do olhar nos contornos das soluções encontradas
dará aos vários interlocutores
minúsculas sensações poéticas sem retorno
mas não apagadas
aos olhos de todos


segunda-feira, novembro 25, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 55

para poemas simples


;há um burburinho atroz na esplanada do silêncio;


tópicos:

um cão
um poeta
uma mulher ferida pela saudade

um adolescente
um alcoólico esbracejando
uma mulher deitada sobre uma mesa

um visionário bocejando 
um clínico com um osso debaixo do sovaco
um comerciante com um cesto de ovos

um pastor 
três ovelhas
um coelho de orelhas espetadas

mais três outros
indistintos na contra luz
e um místico

um adivinho
um futebolista
um praça

cantavam juntos a alegria póstuma das deles juventudes
uníssono andamento martelando no chão,
brilhava no oco espaço
o imperfeito silêncio que havia
nas, de cada vida







quarta-feira, novembro 20, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas



Nº 54

para poemas complexos



;puro sol desabrochando de encontro ao verde mar;


Nota:
 

com este poema o poeta descansa,
entra num período de repouso
deixa todas as palavras em  casa
antes de partir para férias

se precisar de comprar uns sapatos 
apresenta-se descalço

se tiver fome leva 
faca e garfo no bolso

se tiver sede
tenta dar fogo ao mar
riscando um fósforo na areia

para fazer amor
despe-se sem avisos 
ao Ministério Público

20.11.13


quinta-feira, novembro 07, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas



Nº 53
para poemas complexos



;nada tem peso a não ser a minha imaginação;

Nota:
poema com intervalos no imaginário

acolhendo o pensamento flutuante
 
haverá que avaliar o peso da imaginação

desvelar o peso da voz na sua origem
para que o concreto existencial tenha soluções de continuidade 

à palavra emergindo

não será caucionado osgar  com o rabo 

aos intervalos ser-lhes-ao exigido a senha e contra-senha
para que a realidade não perca peso na vadiagem pela cidade amputada

07.11.13




segunda-feira, outubro 28, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas




Nº 52


para poemas simples


;vivo entre as árvores os arbustos
e a palha;

Nota:

é um poema que deve cheirar a terra

preferencialmente deve ser escrito depois de haver chovido,
assim, o poema humedecido, trará à voz a doçura dos licores

não espantará se o poeta escrever:

- os regos do húmido viver
encontram nas raízes os pelos do vento
rebocando os teus olhos de algodão

cansado das torturas da fome
em que Terra pousarei o meu nome?  

uma terra que desagua na foz dos bancos
dirá aos teus ouvidos: - o medo
não deixará as sementeiras nascerem

28.10.13






domingo, outubro 13, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas


Nº 51

para poemas complexos



;tristes palavras irrequietas

quando com elas querem
congelar o tempo;


  Nota:


poema feito da lucidez da palavra obscura
no poema  a palavra será  da natureza de caixão vazio
esperando pela morte do logos
as verdades possíveis estarão fora do tempo
pela indeterminação das ditas
não haverá espaço fora das quimeras

o poema deverá ser reforçado com ladainhas ulissianas:

obacalhauverdeesgotarseànamarédotemporal 

ortopédicaspalavrasdechuvaacontecendovelozsoprointercaixasvoadeiras


13.10.13


segunda-feira, setembro 30, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas



Nº 50

para poemas simples



;triste corpo triste eu

aqui estando neste estar;


  Nota:

é um poema sobre o acto de mastigar

o poeta, aqui, não é criador de coisa nenhuma
deve utilizar as palavras como quem come pastéis - de - nata
sobre a nata dos pastéis mastiga o sonho 
sobre o sonho mastiga a palavra
o sonho da palavra dirá do corpo a sua nata natureza

 

29.09.13 



sábado, setembro 28, 2013

Mostruário de Títulos para Poemas




Nº 49

para poemas complexos



;desnudar a poesia é querer que a noite seja iluminada;



  Nota:


deve ser um poema com disfarce
somente a sombra das palavras poderá iluminar o texto
o residual do fogo desdobrará as lágrimas do poema
na voz silenciosa do poeta poderá haver estrelas

28.09.13





domingo, setembro 22, 2013

Viagens no Texto - com ponto final (1)



50ª viagem


no nós há a pólvora
no eu a alegre morte
se no nós há um nós que nos devora
no só eu devora-nos a nossa só sorte

22.09.13 






49ª  viagem


Há tanto tempo! … que não me lembro da última viagem
que fiz em direcção ao teu correio,
mas sei que do silêncio soa uma voz que brada
na alegria suave da noite.


Cá estou: limpo dos abraços,
das manhãs quentes dos figos,
tão enxuto das águas como as bolas de sabão
sopradas ao vento,
enfim, tu aí não sei onde e eu aqui sabendo que estou.


 Sabendo que estou
porque te queria dizer do dizer das palavras que voam
o que sobra ainda deste silêncio;


na casa ao canto ao canto da casa
anda em redor  
de si a pessoa que se procura em confusão
em lucidez absorvente no rosto,  na pele e no andar
porventura  alinhado/desalinhado
a nudez da sombra pessoa.


Fotografa na interrogação da voz
sem palavras


o rosto suspenso na claridade de qualquer desejo:
quero não quero, vou não vou, lembro não lembro, bato não bato, construo não construo, invejo não invejo.

Depois:
depois no tempo devorando a sua própria imagem/ens
calcando nas mãos os papéis pintados em amplexo de espaços
calcorreia aqui, ali. Òh pesar,  òh angústia!


Solidez  da esquina do ser
do lado de cá e do lado de lá.

Talvez na planura do sal
no canto da casa
na dureza das pedras

 Abraço
até breve

ponto final
03.09.13






48ª  viagem

aquele cu´são 
que vai badalando
agita-me o "colhão"
a um ritmo tremendo

é coisa da Natureza
diz o vetusto deus Príapo 
ter sempre a coisa tesa
sem dar azo ao desânimo
assim ao nobre sua nobreza

ponto final
02.09.13





47ª viagem

vida em profundidade
sem cabelos metafisicos
é ter de mim a saudade
mesmo andando sobre precipícios

nado o corpo nasceu
na tremenda dor parida
dissolve-se-lhe o sol e cresceu
numa alegria contida

o corpo solução de água
na voz que o suporta
viaja pelo mundo com mágoa
mas isso pouco lhe importa

é uma solução tão abstracta
com raiz tão profunda 
que se torna por isso ingrata
é como endireitar a corcunda

esta matriz inicial
que de mim vejo a raiz
traz no bojo o vendaval
de querer o que não quis

a vida é a hora 
não esqueçam a notícia
não há que deitar fora
sua exigência de justiça  

ponto final
28.08.13




46ª viagem

agora, a manhã passa em menos de nada
e a noite, curta, custa a vir
diz o homem de maneira engraçada
num tempo alugado e sem porvir

ponto final
21.08.13



45ª viagem

Gosto tanto da Palavra
ainda que evanescente
com ela me deitava
é como mulher prudente

Umas são cinzeladas 
outras severas são
umas são encarnadas
outras verdes ainda estão


- e de amora em amora -
a palavra assim dita
é como uma filha que chora
das lágrimas, voz aflita

O Som que Amora dita
na atmosfera assim pintada
é como a mulher bonita
a rir da coisa dada 

ponto final
17.08.13 





44ª viagem


ginga o corpo na atmosfera
e eu nela a mexer
se o corpo está dentro dela
o que posso eu fazer?

o corpo é coisa vã 
na atmosfera infinita...
entre o amor e o ódio 
meia coisa é coisa dita

é um nada que se desfaz 
ocupa uma dor sem dó,
aperta o corpo uma tenaz 
que o torna sempre em pó 

ponto final
12.08.13



43ª viagem

O copo

a distância entre mim e o pensar, aquele copo
a nudez transparente do copo
o sopro agudo da sua forma
a doçura emblemática e fluída do seu brilho
a voz penetrantemente surda no interior do copo
a beleza extravagante do perfil do copo
a amanhecer gordo na semente liquida do copo
o frouxo calor da superfície lisa do copo
o outro copo, aquele imaginado e ainda o da memória
a bebedeira vulgar que transformou o copo em sonho transparente
o corpo duro e histórico do copo incrustado  na atmosfera irregular
o Carnaval cheio de conchas que a transparência trás na superfície
o copo, a penugem da palavra em sumptuoso deserto

( texto encontrado durante arrumações e que data de 26 de Junho de 1999) 



42ª viagem


foi-se o Sol 
veio o Vento
e com ele meu contentamento
azarou seu intento

e o Sol reapareceu
fez força sobre os arbustos
de crescer suas hastes
onde estou me aqueceu

cresceu o zelo de viver
ainda que o Sol passe breve
é no momento de o não ter
que esquece-lo não se deve

ponto final
05.08.13



41ª viagem

podia dizer...

havia cotovias
sobre os trigos doirados
pardais nos telhados
que não estavam calados

a cotovia ria
se a chuva caía
os pardais irados
estrídulos nos beirados

cotovias e ninhos no chão
doirando o pão que se comia
era isto que havia
pela manhã do dia
que em azul crescia

onde ainda medo não se pressentia
 podia dizer

ponto final
30.07.13




40ª viagem


Se digo que canto
enquanto não canto, desencanto;
mas se cantar vou
em que canto do canto sou?

O canto ao cantar emprestou
o encanto se cantando estou
e de quando em quando
o meu olhar quer o encanto
do que sou no canto em que me encontrou

De mim, assim vou encantado
num canto que cantado é já passado
tempo mudo e eu calado
no tempo em que o canto ainda não foi dado

ponto final

26.07.13







39ª viagem

quando a constipação ataca
um ardor no peito faz que tussa
as palavras belas da poesia congelam
não são mais que poeira
de farelos na sonolência do corpo

para a constipação com tosse
não há poema detectado no tecido animal


a amargura
dissolve as palavras de febre
em  vinagre

ponto final
23.07.13





38ª viagem


Cataloguemos o Infinito


Construo uma casa
e o limite do meu saber
esgotou-se no seu interior


Pão no forno – infinita necessidade
de um amor  de janelas abertas


Escrevi  um livro
escondi a minha verdade
dentro da luz


Esgoto-me nas palavras
e fico residente
no mundo sem morada


Se eu me deitasse
encostado às veredas que
sopram das cavernas
acabava a música nos cemitérios


Percebo a vida mais
como tragédia e impotência
do que como fé e poder;
- por mais poder que tenhamos
 tudo acaba em tragédia sonolenta

alargo a voz
ao exército de flores
e vejo-me ao espelho
- substância colorida
ou simplesmente elo
ponto final
16.07.13




37ª viagem


- Hoje não vai fazer uma pontinha de Sol!
digo eu
com as mãos sobre o livro onde
o saber arquivado sobre o papel é
janela aberta para 


somos dois no interior do espaço café

fora
as mesas metálicas da explanada
sufocadas por um abandono baço
reflectem fios de  ácida composição
queimam o espaço monótono

numa brancura deslavada
as palavras - pontinha de sol
não fazem eco na luz do texto


o texto corre
no agudo silêncio

não há resposta
à minha solicitação verbal

o verbo mudo pesa
numa densidade corporal
é um caminho sem histórias
sem território de palavras

não há conversas
a fundirem substâncias corpóreas

a vontade não chega a ser
uma palavra vazia de som
- talvez um quisto numa tábua
uma ligeira nódoa incolor numa folha verde

as mãos sobre o livro não pesam na consciência
habitam o espaço sem admoestações de cansaços 
nem sequer são alicerces para ferramentas

atravessam o destino como se não houvesse destino a chegar
nem lugares com memória

sinto-me isento de pagar impostos

ponto final
14.07.13






36ª viagem


meu corpo
sal da memória
solicito-te
na gratidão dos segredos
a tua presença abnegada

com o corpo interrompido
estou incerto
no delírio do vento

crescem silenciosos ao sol
as ervas do meu desejo

não há luzes de desmaios em êxtases sagrados

a força que brota é só
 a alegria dos pelos da pele

não há palavras
sem tempo dado ao teu território

ponto final

13.07.13




35ª viagem


pressinto que
a empurrar o amor para a frente
está o ódio atrás

 ponto final
11.07.13




34ª viagem

tocou-me dentro dos lençóis
e disse-me:
- afaga estes seios de mármore
acorda
a história que há em mim

ponto final
09.07.13




33ª viagem


Uma Pedra
de aura de cristal habitada

falo de uma imagem
a Pedra é outra coisa 

Berkeley diria:
dada por Deus,vinda de Deus...
- de qualquer modo é uma imagem
habitante de mim ao centro

este eu que é a imagem da Pedra
uma Pedra qualquer outrora vista
está em suspensão
na emergência da fala
- é a coisa que eu vi

uma Pedra
sem passaporte diplomático
na curva do caminho

não há sintomas de tédio na sua superfície rugosa

se lhe toco
com o dedo da vontade
é capaz de se desfazer em lágrimas
mas não é água
na encosta da sabedoria

é um indício dum peso na consciência 

esta Pedra não tem vergonha nem calcanhares nem destino
quando falo com ela, por acaso, diz-me
que vem da infância
e era tão leve
que brincava com ela
na transparência das membranas

com ela partia amêndoas, comia os miolos
depois atirava-a a um pássaro
que parecia querer comer o que eu já tinha comido

era triste
porque era triste ontem
é mais verdade na continuada tristeza de hoje

aquela Pedra que é esta imagem
é também aquela tristeza
uma pele de tristeza que só sei explicar
porque há uma verdade rugosa em todas as Pedras

liberta-se uma saudade de pedra na infância dos caminhos
comboio de comoção nas veias
com bilhete de destino incerto
e passagem fugaz na estação do coração

aquela Pedra, rugosa, 
de um castanho alaranjado
para os meus olhos de ver hoje
sem asas que a liberte do chão de ontem
já não existe

na pureza do tempo
lavou-a a chuva que veio depois

ponto final






32ª viagem

quando digo: - o outro
refiro-me em concreto
a uma abstracção,
quando digo: - tu
refiro-me em abstracto
a um concreto

refiro-me ao Sol
esse espaldar onde me deito
e me suporta em bruto

ponto final






31ª viagem


 Janelas no Texto


- A menina dança?

supostamente
isto é um residual expectante
na algibeira de dentro

pressuposto:
todo o sonho escondido
numa algibeira de dentro
é um verme de luxo


- A menina dança com amor acima dos joelhos?

supostamente
o amor acima dos joelhos
constrói templos em segredo

pressuposto:
nos intervalos da vida
os fogos
apagam-se na eira


- A menina dança?

supostamente
há vermes
que corroem as entranhas do sol

pressupostamente
nas galáxias de gelo
ardendo


- A menina dança?

supostamente
sobre as almofadas de vento
habitam os desejos em espuma

pressuposto:
nas galáxias de gelo
há Vestidos de Noiva que servem
de ninho aos pardais

- mas se não dança pressupostamente
  que faço com esta constipação
  que tenho nos ossos?

  ponto final






30ª viagem


perguntaram ao Poeta o que fazia
em tempos de mal-estar

ao que o Poeta respondeu:

agora passo a minha roupa a ferro
na tábua-de-engomar

surpreso o outro entendeu
que a poesia o Poeta ía deixar

o Poeta sem tristeza
embalado no  entendido
sem se ralar mesmo nada
com aspereza respondeu:

hoje a poesia é acção
antes da palavra alada
seja esta celebração 
aquela é terra desbravada
ponto final




29ª viagem

cresço na inviolável noite sobre
o berço critico

um cão farejando no chão
o indício da procura

o espaço enrola-se 
numa azafama de pequenas argolas
o tempo flui por dentro embiocado 
por costumes caseiros

a esplanada é um território de olhares

se alguém passa
a nervura do tempo anuncia
um ninho em construção


- um, de perna-manca 
sacode o espaço em degraus
constrói uma alegria perversa na imaginação

imaginação
a criada de serviço num tempo de memória

- esqueço-me devagar 
do que há-de ser e
lembro-me do que assim será no já passado-

único ser absoluto em liberdade
o tempo não se deixa aprisionar
acariciá-lo 
na face da Esfinge Petrificada 
é sentir a carência
remeter para a dor a
nostalgia das pedras soltas

cresce num deserto de areia
ocupa espaços mínimos onde outrora havia cal
paredes abertas ao tempo

se o ciclo dos actos
culmina numa abstracção
antevejo uma palavra nas margens da vida
um rascunho construído com baba de aranha


a palavra pode ser porosa
libertar fumos de inquietação

a textualidade é um esgrimir 
com a matéria por indexar 
ponto final
02.06.13





 28ª viagem


... a percepção do infinito
    na representação constante da imaginação
    é uma bola de fogo
    no vazio do pensamento,

    ponto final.
     27.11.12




27ª  viagem


não consigo alcançar o álcool
inserto na palavra
despertando os ecos nos lençóis 

as letras são já da vinha
uma nuvem de etílicos vapores
a frase uma bebedeira arriscada

e o texto umas vezes
um desperdício de abundância
outras um delírio exíguo

ponto final
20.05.13  



 

 26ª viagem


a noite toda me abraça
camuflado pela embriagues virtual
na névoa de um corpo duro

os caminhos
são espaços abertos 
no frémito de uma onda de choque

descendo aos labirintos
só chego com um dedo do coração
apontado ao concerto do universo

jardinagem de abelhas no álcool do caos
suspenso por um fio azul nos dédalos da manhã 

regresso oferecido à opacidade
da  mão  pegando na esferográfica
à luz do candeeiro eléctrico

quantidade de tempo
emprestado às palavras
que abrem o corpo à viagem

regresso luxuosamente tranquilo

há manhãs que desaguam nas fontes
romãs que nascem sob os auspícios de um sol de cristal
manhas verdes sem sombras em ângulo recto
côncavas para ouvir segredos

ponto final
19.05.13


25ª  viagem

 

 abre-me as janelas do corpo
o sol cuspido entre as nuvens

no regato do tempo
que os meus passos percorrem
não há pressas

todos os abismos caíram
quando ainda na madrugada
pus um pé no silêncio
e outro na calçada das emoções

posso percorrer o cemitério da vida
no entroncamento das vaidades
que verdades existem por aí no alongamento das cruzes?

percorro o suicídio do tempo
com a velocidade das maçãs crescendo
há tempo no interior das palavras
que pensam o tempo e isso
abre-me os véus do corpo 

ponto final
15.05.13




 24º viagem


Dos opúsculos imemoriais trazem as nuvens indícios 

caminhantes serenas entre o sol e a sombra
quando o vento dorme levitam

não há forma estranha ao bojo de algodão
a apoteose matemática das suas formas
indiciam a loucura do infinito

estendidas em mantos de preguiça
quais sentinelas nas almedinas em tempos de alguma paz
ora são sapos ora dragões

soberanas presenciaram todas as ambições dos Impérios  

se desaparecem anunciam desertos da respiração
incêndios da razão amotinada sobre 
a antiquíssima planície dos nossos desejos

setas que atravessam as nossas necessidades

ponto final
13.05.13




23º  viagem
 

Janelas no texto em viagem


olho as rosas
e esqueço-as para ti

olho as rosas e nelas
sem o perfume de ninguém
as encontro  solidárias

olho as rosas
de pétalas somadas nos escombros dos números
onde dois mais dois são cinco ou talvez sete

olho as rosas
onde as leis se revestem 
na taça do seu perfume

olho as rosas
que projectam a sua sombra
ao encontro da voz melancólica ao seu redor  

olho as rosas
nos seus segredos de veludo
 
olho as rosas 
quando nelas em seu suor surdo
do fazer cai  das pétalas as gotas pingentes  

olho as rosas 
e nelas no âmago escondido
o amparo dado à palavra amor

olho as rosas
no seu ponto final 
em aberta frase
desta viagem
  
13.05.13



 22ª viagem

O  texto é uma paisagem
tem que ter  margens de sossego
onde as palavras possam respirar

um texto tem que ser um grito ecoando
no espaço vazio da página

As palavras atam os nomes às coisas
mas que tipo de laços dão aos nomes?
será acaso uma corda de átomos
criando um arco voltaico 
entre o calor do corpo e o objecto em fuga?

ao morrer fico frio

ponto final
05.04,13



21ª viagem



A esplanada dos meus olhos
Abraça o céu  que se abre
Envolve o azul o pio do pardal
O  pousio do Sol



Nas  folhas dos arbustos
Habita-as  em  translúcidas  transparências
Na fragrância do silêncio



Aquece-me os joelhos
O  tempo esquecido das  Alcáçovas



Na superfície do sentir
O relógio do tempo suspende
A  delicadeza  do momento
Num horizonte perpétuo



Na esplanada
O  riscar do texto
Ocupa a mão
Na memória de vidro



O verde dos campos
Liberta o perfume das letras
Em silêncio vago



O significado do corpo
São as varandas
Sem paragens no horizonte
3.04.13




20ª  viagem

perante a dimensão do Tudo e Nada, o que há é Qualquer Coisa que, 
perante o Nada parece ser Tudo ,e, perante o Tudo parece ser Nada
ponto final
13.03.13



19ª  viagem


gostava de escrever sobre o Sol; isto é, não do que é ou não é,
escrever sim sob a planura  da luz, fazer desta o suporte - igual? ao papel
talvez expandir o universo com sulcos num frenesim de palavras
habitar o espaço com violência, palavras átomos enlouquecidos de paixão
numa manhã de sombras
caneta caralho de luz abeirando-se do impossível
escrever no interior do Universo invisível e pesado
a palavra "tesão"com um fulgor de aves de rapina rompendo as trevas
lâminas de luz desobstruindo segredos antigos
na paixão dos ácidos ao ataque de tintas luminosas.
ponto final
 10.03.13



18ª viagem

Se admitir uma descontinuidade no tempo 
temos que admitir que há intervalos 
em que o mundo não existe
06.03.13




 17ª  viagem

és tu?...aqui vai:
 
Lolita Lolita
miúda tão catita
corpo de cereja buscando sua desdita
sob deleitosa bandeja
em nós
sua sombra
de amora habita
Lolita, Lolita
moça não proscrita
segue teus passos
nos lençóis desta escrita


ponto final

abraço
ps. o atelier está quase; estou a preparar a publicação dos escritos" página móvel com texto fixo"




 16ª viagem

,embebedo-me
com a ternura do vinho nos lábios
sôfrego das paixões em puro álcool
como se a miséria do corpo em êxtase
abortasse num labirinto de sabores

óh, agonia da virtude
tão abaixo do cão em brasa

espeta-me
uma gota de aromas 
arrancados ao chão
nos olhos

assim
eu veja crepitar no mosto

os axiomas dos beijos por dar

ponto final
17.02.13




15 viagem

,vejo
o verbo malfadado
à boca dos cenários da vida

é uma vitória de Pirro
cruzar as palavras
com o sabor da carne humana
ponto final
13.02.13





14ª viagem

, os montes, projectando silêncios telúricos sobre as verdes copas, empurram dolorosos sexos para o interior dos casebres,
- um fumo ao longe, abrindo espaço à contida vida, sujeita a amargura do silêncio  ao eco das silhuetas,
-o azul cai sobre o verde, as nuvens sufragando o sol, abeiram-se das emoções, libertam o corpo dos seus abismos,
com o nariz do vento que passa, sente-se o espaço mexer no vazio,

ponto final
13.02.13





13ª viagem

,tenho uma dor de cotovelo nos sapatos, a marca criou-me desníveis de pensamento que me doem;
o azar deu-se quando, orgulhosamente, atava os cordões das chancas  ao sol da Primavera

ponto final
04.02.13



12ª viagem

,subtraír ao delírio do acontecimento a força amotinada do medo,
 não é possível no vazio dos subterrâneos a querela do instante

ponto final
03.02.13




11ª viagem

,saberão as palavras que os nexos das manhas dos corpos subtraem vozes ao silêncio dos átomos?

ponto final
02.02.13  




10ª viagem

era uma personagem irredutivelmente,  individual; quando dizia "eu" , ficava pensando se não seria mesmo assim  o "outro" e, quando dizia "tu", ficava cismando se não seria a ele a quem se dirigia,

ponto final
26.01.13  




9ª viagem

luminoso enclave a brotar da visão campestre,
residual da minha mansão, activa florescência
dando caminho à solidificação das vozes;
terei amores que abracem o esqueleto?

ponto final
23.01.13   





 8ª viagem

Fomes Muito Intensas
Foram Mandadas Implementar,
Falácias Mendicantes Iniciais
Fomentando Mentiras Imorais.

ponto final
17.01.13





 7ª viagem

toda a vida é um labirinto de sons na pureza dos minerais,
uma rede de sarcasmos ao volante do tempo,
uma perpétua devolução do nada
à perspicácia dos ácidos
e à embriaguez
dos olhos,
ponto final  

13.01.13




 6ª viagem

liberto as pulsões, os vícios de palha atados aos nervos,
respirando o Sol pelos poros da pele, no vagar da manhã,
ainda mais, aligeirada pela brisa;
e, que dirão de mim,
aqueles que passam tresloucados pelo trabalho ingente?
vendo-me no panteão da soberania Augusta,
planearão na caverna,
o assalto ao Sol,
com a luz de um deus de mármore emocionado pela humana exigência?
No labirinto da caverna trabalham todas as raízes,
até os potes dos quarenta ladrões,
ponto final

10.01.13



5ª viagem

A   “Bola de Berlim”

As mãos
Penduradas dos braços cansados,
 vigiam  o  absurdo, na inclinação corporal para o nada;
É  uma tristeza  nadar no lago vazio,
logo as pernas cruzadas, em colapso,  prendem ao chão
Ossos, nas  cavernas  dos  músculos.
A timidez da respiração procura o sentido das palavras
-  será que só há “metafísica  nos chocolates”?  outrora
a metafísica estava na  bola-de-Berlim  quando
a  Avó,  debaixo do vão de escada,  anunciava com cheiro a rosas
do jardim das bocas
todo  o açúcar, metafisicamente branco,  sobre a redondez do apetite
- era granulado de comichões nos olhos.
A  Avó,  vendia  alegria a um escudo a peça sob a avidez dos corpos em mudança,
a vertigem do tempo Inclinava-se para  a metafísica do amarelo;
agora , no plano inclinado do desassossego,
na angústia soterrada,  há uma  paisagem  de  Van Gog  em  cada  Bola-de-Berlim   no  que não
é mais do que só memória,
-ponto final
31.12.12




4ª viagem

Surpreendo o corpo em subterrâneos inflamados  se Vénus surge,
na tranquila tarde, batendo  à porta da respiração.

Ardor corporal despe
o nevoeiro de afagos secretos enviados em cartas de correio;
escondidas labaredas ardem nos selos das cartas que me enviaste, pelos olhos.

É o sorriso, vulnerável ao halo do sopro, que assinala,
como trombetas, o circulo estreme onde as palavras habitam
emolduradas de absinto , e Baco me castiga.

Porque me envias cartas assim, onde temporais dos músculos
se misturam com as areias dos mares? – traz-me só,  
esse sorriso preso aos saltos dos gafanhotos, em liberdade;
despe-me com as lanternas dos dedos das  tuas mãos
até aos ossos do coração. Dispo-me
sem medo,

- ponto final
 30.12.12



3ª  viagem

... pastora da cidade de pedra que buscais na anca nua o verde campo, - tristes são os tempos que murcham nas calçadas os verdes anos, - a erosão das pedras trás a sombra dos teus olhos obliqua ao vento; bailas o desejo em busca da verdade na dança dos copos! tens  razão, o amor procura-se em toda a parte; nas léguas que caminhamos à luz do sol esconde-se a paixão nos subterrâneos  da terra; há uma saudade de futuro em cada palavra, em cada gesto uma raiz; - brindemos pois, copos ao alto nas varandas do nosso tédio, 
- ponto final.

01.12.12




 2ª viagem

Canção para os amigos/as de sempre, especialmente para os de outrora da António Arroio.

Estoira na mão
O querer ir além e aquém no tempo.
Na  incerta busca, um amigo
Que preso ficou nos olhos, brilha.
- despede-se da montanha adejando
no vale saudoso
um alarme de lágrima no peito
quase um temporal de morte habitada.

A espiral do tempo desgasta a lucidez da memória,
Embebe de ácidos devolutos o coração fraterno,
Embala a canção num vazio de outrora.
Um tempo de hoje bebido na saudade humedecida
Espalha num jardim de lama
Obeliscos de luz
sobre um tempo nu,
ponto final 

28.11.12




 1ª viagem

... caixeiro viajante  é aquele que nunca interrompe o poema,
- ponto final.

27.11.12